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Entre Areias e Segredos

 

Capítulo 1 – Distância Necessária

O ar da cidade pesava nos ombros de Rafaela. Desde que completara dezoito anos, tudo parecia exigir decisões, pressa, maturidade. A escola tinha acabado, os amigos se dispersaram, e em casa… o clima não era o melhor. Por isso, quando sua avó ligou, convidando-a para passar um tempo no sítio perto da praia, ela não pensou duas vezes.

A viagem foi silenciosa, só ela e seus fones de ouvido. Mas assim que o carro chegou à entrada da casa dos avós, Rafaela sentiu algo mudar dentro de si. O portão de madeira, o cheiro de mato e maresia, o latido do velho cachorro da família. Tudo ali era familiar e, ao mesmo tempo, renovador.

Ela desceu do carro com um suspiro e caminhou até a varanda, onde a avó a recebeu com um abraço apertado e cheiro de bolo de fubá.

— Minha menina cresceu — disse, apertando-a nos braços. — Vai ser bom te ter aqui um tempo.

E foi ali que Rafaela viu Raline pela primeira vez em anos.

Sentada no degrau da varanda, com um livro nas mãos e os cabelos presos de forma despretensiosa, Raline ergueu os olhos ao som do portão. Seus olhos castanho-claros brilharam ao ver a sobrinha de criação.

— Rafa! — disse, levantando-se com um sorriso.

Rafaela se aproximou, meio sem jeito. Sabia que Raline não era tia de sangue, mas sempre ouvira o pai falar dela como uma irmã. Criadas juntas pelos mesmos avós, elas tinham esse laço quase fraternal. Mas, diante daquela mulher de 27 anos, de corpo firme e sorriso sereno, Rafaela sentiu um leve frio na barriga. Algo que não queria nomear.

— Você está tão diferente — disse Raline, observando-a de cima a baixo com ternura.

— Você também — respondeu Rafaela, sem saber onde colocar os olhos.

Nos primeiros dias, a convivência foi leve e divertida. Os avós mimavam Rafaela, enchendo sua mala de frutas, bolos e afeto. Raline era uma companhia gentil e divertida — acordava cedo para caminhar, lia muito, fazia playlists para ouvir enquanto cozinhavam juntas.

E Rafaela gostava disso.

Ela se sentia segura ali. Mas, ao mesmo tempo, havia algo crescendo dentro dela. Um incômodo doce, uma curiosidade inquieta.

E então, numa manhã de domingo, os avós anunciaram:

— Vamos fazer aquele cruzeiro que estávamos adiando há anos. Ficamos só essa semana com vocês e depois vamos viajar.

Rafaela sorriu, mas por dentro sentiu o estômago revirar. Ficaria sozinha com Raline. Só as duas. Durante dias.

E algo dentro dela já sabia que aquela casa — e a vida como conhecia — jamais seriam as mesmas.


Capítulo 2 – Laços Inesperados

A semana com os avós passou mais rápido do que Rafaela esperava. Entre almoços fartos, jogos de cartas e cochilos na rede, ela quase esqueceu o motivo de estar ali: fugir da confusão da sua vida. Mas havia outra coisa — ou melhor, alguém — que a distraía mais do que qualquer pôr do sol.

Raline.

Sempre sorrindo, sempre disposta. Ela era daquelas pessoas que sabiam preencher o ambiente, sem fazer esforço. E Rafaela se pegava observando a maneira como ela prendia o cabelo, como mordia o lábio quando lia, como dançava sozinha na cozinha ouvindo Elis Regina.

Na véspera da viagem dos avós, elas saíram as quatro para jantar em um restaurante de beira de praia. Rafaela usava um vestido leve, e pela primeira vez sentiu o olhar de Raline sobre si de um jeito diferente — sutil, rápido, mas presente. Aquilo fez seu coração acelerar.

Na manhã seguinte, os avós partiram com malas e promessas de fotos. Rafaela ficou na varanda, acenando até o carro sumir na estrada de terra.

— E agora somos só nós duas — disse Raline, surgindo ao lado com duas canecas de café.

— Parece até começo de filme — Rafaela respondeu, rindo.

— Filme de terror? — brincou Raline.

— Acho que mais comédia romântica.

As duas se olharam por um segundo a mais do que o necessário. E então viraram o rosto, rindo, como se tivessem pensado a mesma coisa, mas nenhuma tivesse coragem de dizer em voz alta.

A convivência entre elas se intensificou. Tomavam café juntas, passeavam de bicicleta pela praia deserta, exploravam trilhas no mato atrás da casa. Rafaela estava mais leve, mais feliz do que se lembrava de ter estado nos últimos meses. Mas também mais confusa.

Uma noite, estavam no sofá assistindo a um filme. Raline usava um short curto e uma regata solta. Rafaela sentia a pele da perna dela roçar levemente na sua. Tentava ignorar, mas a mente teimava em imaginar.

— Posso pintar suas unhas amanhã? — perguntou Raline de repente.

— Pode… — Rafaela respondeu, surpresa. — Mas você sabe?

— Eu invento, ué. Vai ser divertido.

Elas riram. Mas por dentro, o riso de Rafaela era nervoso. Porque queria mais que as unhas pintadas. Queria aquele toque. Queria entender por que o corpo reagia daquele jeito sempre que Raline estava por perto.

Na madrugada, acordou com sede e foi até a cozinha. Passando pelo corredor, viu luz saindo por debaixo da porta do banheiro. Ouviu a água do chuveiro. E, sem querer, a silhueta de Raline projetada contra o vidro fosco.

Ficou parada. O coração disparou.

Por que não conseguia parar de olhar?

Por que desejava tanto entrar?

Naquela noite, não dormiu bem. A imagem de Raline nua sob a água a acompanhou como um feitiço.

E Rafaela sentiu que, se não tivesse cuidado, seu coração — e talvez muito mais — estaria prestes a se entregar.

Capítulo 3 – Sozinhas na Casa

Com os avós longe, a casa ganhou outro ritmo. A ausência deles preenchia os cantos com um silêncio diferente. E aquele espaço entre elas, agora sem vozes para preencher, parecia mais íntimo.

Rafaela acordava tarde, Raline fazia café. Passavam as manhãs em silêncio leve, que aos poucos se tornava conversa, brincadeiras, provocações disfarçadas.

— Você tem cara de quem já partiu muitos corações — disse Rafaela um dia, enquanto as duas faziam panquecas na cozinha.

— E você tem cara de quem ainda vai partir alguns — respondeu Raline, sorrindo de canto.

À tarde, decidiram ir à praia. A maré estava calma, e o céu, quase dourado. Raline mergulhava com a leveza de quem conhecia o mar intimamente. Rafaela a observava, o corpo molhado saindo da água, a pele bronzeada refletindo o sol. O desejo começava a se confundir com carinho, admiração, curiosidade.

À noite, jogaram cartas. Depois viram um filme. E então, o que parecia inofensivo virou tensão pura: deitada no sofá, Rafaela encostou a cabeça no colo de Raline. Ela acariciou os cabelos da mais nova com os dedos, num gesto quase automático — mas íntimo demais para ser ignorado.

Os olhos de Rafaela se fecharam. O corpo, porém, estava em chamas.

Capítulo 4 – Olhares e Silêncios

Nos dias seguintes, tudo ficou mais sutil. Mais intenso também.

Rafaela começou a reparar mais nos detalhes: o cheiro do perfume de Raline, as covinhas quando ela sorria, o modo como seus dedos longos se moviam ao falar. E Raline… também observava.

Uma noite, jogavam conversa fora na rede, olhando o céu estrelado. Rafaela comentou:

— Você já se apaixonou por alguém que não podia?

Raline virou o rosto, surpresa. Sorriu devagar.

— Já. Acho que todo mundo passa por isso. O proibido tem gosto de mel e ferrão.

A frase ficou no ar, como fumaça.

— E você? — ela perguntou.

Rafaela hesitou. — Talvez.

Naquela noite, o silêncio não era só silêncio. Era espera. Era vontade represada.

Capítulo 5 – O Banho

Era fim de tarde. O calor castigava. Rafaela estava deitada na cama, pensando em tudo, em nada. Ouviu o som do chuveiro sendo ligado. Raline.

Sem pensar muito, pegou sua toalha e foi até o banheiro. A porta não estava trancada. Ela entrou, achando que não teria problema. Mas assim que entrou, parou.

O box era de vidro fosco. A silhueta de Raline se movia lentamente atrás da neblina.

— Raline? — sussurrou.

A outra abriu a porta do boxe com calma. A água escorria pela pele dourada, os cabelos molhados colados nas costas.

— Vai fugir ou vai entrar?

Rafaela não respondeu. Deixou a toalha cair e entrou.

Foi como se o mundo inteiro desaparecesse.

Beijos quentes, mãos afoitas, corpos colados sob a água escaldante. Raline explorava Rafaela com cuidado e desejo. Rafaela se entregava como se já tivesse esperado por aquele momento a vida inteira. Elas fizeram amor ali mesmo, com intensidade, com doçura, com fome.

Quando a água esfriou, continuaram ali, abraçadas, sentindo a respiração uma da outra.

Sabiam que, a partir dali, não havia volta.

Capítulo 6 – Depois do Vapor

Rafaela acordou antes de Raline. Estava deitada ao seu lado, enroladas no lençol branco como se o mundo tivesse pausado para elas.

Um medo silencioso bateu. Culpa? Não exatamente. Era mais uma inquietação, um “e agora?” que ecoava por dentro.

Raline acordou e a olhou com carinho. Passou os dedos pelos cabelos da mais nova.

— Está arrependida?

— Não… só tentando entender.

— A gente não precisa entender tudo de uma vez — disse Raline, encostando a testa na dela.

Beijaram-se novamente, com suavidade. Pela primeira vez, sem urgência.

Capítulo 7 – O Mundo Lá Fora

Os avós voltaram dois dias depois. O clima da casa mudou. Era preciso fingir que tudo estava como antes. Rafaela e Raline sorriam, conversavam, mas mantinham distância.

À noite, trocavam mensagens no quarto, mesmo estando separadas por poucas paredes. O desejo não havia sumido — apenas se escondia.

Uma tarde, na cozinha, Raline esbarrou propositalmente em Rafaela. Um toque rápido, um sorriso disfarçado.

O segredo entre elas ardia como brasa sob a pele.

Capítulo 8 – Confissões ao Luar

Num fim de semana, os avós foram visitar amigos. Rafaela e Raline ficaram sozinhas de novo.

Foram à praia à noite, sentaram-se na areia. O céu estrelado acima, o mar como testemunha.

— Eu pensei que era só curiosidade — disse Rafaela, olhando para o horizonte. — Mas não é.

Raline segurou sua mão. — Eu também não sei o que isso é… mas não quero perder.

Rafaela virou-se para ela. — Você tem medo?

— Muito. Mas o medo não é maior do que o que eu sinto quando te olho.

Beijaram-se ali, na areia fria, com o coração quente.

Capítulo 9 – Escolhas

Com o fim das férias se aproximando, Rafaela precisava decidir: voltar para a cidade e seguir a vida como se nada tivesse acontecido… ou ficar.

Conversaram por horas, dias. Raline tinha medo de assumir algo tão diferente, tão inesperado. Mas o amor entre elas já era mais forte do que qualquer receio.

Rafaela fez sua mala. Sentou na cama, chorando. Raline entrou no quarto.

— Se você for… vai me deixar em pedaços.

— E se eu ficar… vai me juntar?

— Vou. Todos os dias.

Rafaela deixou a mala de lado.

Capítulo 10 – O Amor Existe Aqui

Meses se passaram.

Rafaela decidiu morar com os avós, matriculou-se em um curso próximo. Raline continuava trabalhando de casa, escrevendo, lendo, cuidando do jardim.

Elas viviam o amor em silêncio, com olhares cúmplices, beijos escondidos sob as árvores, carícias na varanda ao pôr do sol. Não precisavam dizer nada aos outros. O que sentiam bastava.

Num fim de tarde, de mãos dadas diante do mar, Rafaela sussurrou:

— Eu achava que tinha vindo buscar paz… mas encontrei amor.

Raline sorriu.

— O amor também é paz. Quando é de verdade.

E ali, entre areias e segredos, elas se 

encontraram por inteiro.

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