🌲 A Lenda da Floresta dos Acenos 🌲
Dizem que toda floresta guarda memórias, e algumas memórias nunca aprendem a descansar.
Carlos não era homem de acreditar em lendas. Trabalhava em escritório, gostava de caminhar para aliviar o peso da cabeça. Num sábado abafado, decidiu explorar uma trilha nova indicada por um aplicativo: “Cachoeira das Pedras Claras”. Parecia simples — algumas horas de caminhada, sombra fresca e um mergulho no fim.
O começo foi como qualquer outro: o canto dos pássaros, a terra úmida, a trilha marcada. Mas, depois de meia hora, Carlos parou de repente. À sua frente, presa num tronco coberto de musgo, havia uma placa de madeira gasta.
As letras tortas pareciam gravadas à mão, como se alguém tivesse riscado com faca:
“Se vir crianças acenando, acene de volta rápido.”
Ele franziu a testa. Tirou uma foto com o celular, riu sozinho — achou que fosse algum tipo de brincadeira de escoteiros. “Criança aqui? No meio dessa mata fechada? Só se for piada”, murmurou. Guardou o aparelho no bolso e seguiu.
Mas não andou nem cinquenta passos quando sentiu algo estranho. O ar ficou doce, com cheiro de bala de mel, e a brisa pareceu carregar risadinhas muito baixas. Carlos parou. O coração acelerou. E então ele as viu.
Duas meninas pequenas, sentadas sobre um tronco caído, balançando as pernas como quem espera carona. Usavam vestidinhos claros, os cabelos caindo sobre os ombros. Quando perceberam Carlos, levantaram a mão e acenaram.
O gesto foi tão natural que Carlos respondeu sem pensar: levantou a mão e acenou de volta.
Por um segundo, as meninas sorriram. Mas os sorrisos eram vazios, fundos como um poço. E então, diante dos olhos dele, simplesmente desapareceram. Sumiram entre as árvores como se nunca tivessem existido.
Carlos ficou paralisado, a respiração curta. Puxou o celular, olhou as fotos que tinha tirado da clareira. As meninas não estavam lá — no lugar delas, só um borrão branco, como uma fumaça.
Na saída da trilha, ainda abalado, mostrou a foto a um senhor que vendia frutas na beira da estrada. O velho olhou com seriedade, fechou o semblante e pediu que Carlos sentasse.
— Você encontrou as crianças, não foi? — perguntou com a voz grave.
Carlos, sem jeito, confirmou com a cabeça.
O velho então contou a lenda: há muitos anos, um grupo de crianças entrou naquela floresta para brincar. Nunca mais voltou. Procuraram dias, semanas, mas não havia rastros. Só pegadas que terminavam no meio do nada. Pouco tempo depois, surgiram relatos de pessoas que viram “menininhas acenando” entre as árvores.
Logo apareceu a placa. Ninguém sabia quem a havia colocado. Só se dizia uma coisa: quem via as crianças e não retribuía o aceno, desaparecia. Alguns se perdiam para sempre, outros simplesmente sumiam sem deixar vestígios.
Carlos voltou para casa intrigado, mas também marcado. À noite, sonhou com as duas meninas chamando por ele, acenando devagar, repetindo a mesma palavra: “Vem.” Acordou suado, o coração disparado.
Nos dias seguintes, tentou esquecer. Mas a foto borrada no celular o perseguia. Até que decidiu fazer algo diferente. Começou a visitar famílias da região que haviam perdido filhos na mata. Levava flores, doces, pequenos presentes. Ficava em silêncio, apenas deixando algo como quem oferece lembrança.
Com o tempo, os moradores perceberam. Diziam que Carlos tinha mudado. Estava mais calmo, mais atento. E então começaram a comentar algo novo: nas manhãs de neblina, algumas pessoas viam, entre a bruma da floresta, uma mãozinha branca acenando suavemente. Não era ameaça. Não era aviso. Era como se dissesse: “Obrigado por lembrar.”
Carlos nunca mais voltou àquela trilha. Mas sabia, no fundo, que em algum ponto da mata as crianças ainda estavam lá, esperando acenos para não caírem no esquecimento.
E até hoje, quem passa perto da floresta garante ouvir, bem baixinho, o som de risadinhas ao vento… seguido de um leve aceno vindo da neblina.





