Era para ser apenas mais um dia comum. Eloise, exausta depois de uma longa jornada de trabalho noturno, lutava contra o cansaço enquanto corria para não perder o primeiro dia de estágio. Seus olhos ardiam, o corpo pesava, mas a mente estava alerta — ela não podia se dar ao luxo de faltar. O estágio era decisivo. Apenas duas faltas poderiam comprometê-la e fazê-la repetir o último período da faculdade de farmácia. E isso, ela não suportaria.
Quando chegou ao laboratório, a porta já estava fechada. Seu coração disparou. O atraso era inevitável — três ônibus, trânsito, exaustão. Mas desistir nunca foi opção para Eloise. Ela respirou fundo, ajeitou os cabelos com as mãos trêmulas e bateu na porta.
Dois colegas surgiram e chamaram sua supervisora: Bárbara. Quando a mulher surgiu, toda paramentada com touca, máscara e jaleco, Eloise só pôde ver seus olhos castanhos profundos e as sobrancelhas perfeitamente desenhadas. Bárbara a observou com atenção, lendo seu nervosismo como se tivesse um dom para isso.
— Calma, Eloise. Respira. Vai dar tudo certo — disse, com voz doce e firme. Pegou na mão de Eloise, como quem acolhe e acalma ao mesmo tempo.
Num gesto cuidadoso, levou-a até sua sala. Lá, ofereceu-lhe touca, máscara, jaleco — e paz. Escutou sua história com empatia rara, dizendo que entendia, pois também já fora estudante e sabia como era difícil equilibrar trabalho e estudos. Eloise sentiu, naquele momento, uma conexão diferente. Não era só gratidão. Era algo mais. Algo que se instalava no peito, discreto, mas impossível de ignorar.
A partir daquele dia, Eloise passou a ser recebida com entusiasmo. Bárbara fazia questão de anunciar sua chegada, como se o estágio só começasse quando ela chegava. O toque em seu ombro, os sorrisos constantes, os elogios sutis, o cuidado… Tudo parecia especial.
Mas só ela? Seria isso apenas gentileza?
As dúvidas começaram a assombrá-la quando ouviu os colegas comentando que Bárbara era distante e rígida com todos — menos com ela. “Você não percebeu? Ela só é assim com você”, disseram.
Eloise passou a observar. Os olhos de Bárbara buscavam os seus com frequência. Os toques pareciam mais demorados. As palavras, mais doces. Sentia um frio na barriga toda vez que a supervisora se aproximava. O coração apertava de saudade nos dias em que não a via. Começou a seguir Bárbara no Instagram, passou a reparar nos mínimos detalhes: o sorriso, os gostos, as postagens. E, quando viu, estava completamente envolvida.
Até que um dia, no laboratório, entre frascos e fórmulas, Bárbara se aproximou, sentiu o perfume de Eloise e sussurrou:
— Seu cheiro… é viciante.
Chegou perto, muito perto, e a beijou. Um beijo urgente, terno, cheio de desejo contido. Ali, o mundo parou. Não havia mais estágio, não havia mais regras. Apenas duas mulheres presas num instante proibido e irresistível.
O beijo aconteceu num instante tão breve quanto eterno. Eloise mal conseguia acreditar. Seus lábios ainda ardiam, o coração batia como se quisesse escapar do peito, e Bárbara… Bárbara a olhava com os olhos de alguém que atravessou um limite — e não queria voltar.
— Eu não devia — sussurrou Bárbara, afastando-se alguns passos, sem conseguir encará-la diretamente.
— Mas quis — respondeu Eloise, com a voz baixa, embargada por uma coragem que nem sabia que possuía.
Nos dias seguintes, o laboratório virou campo minado. Os olhares entre as duas eram como flechas invisíveis, carregadas de desejo, culpa, medo e… saudade. Eloise sentia o peso da responsabilidade. A linha entre ética e emoção era fina e perigosa — mas como conter algo que parecia maior do que as duas?
Bárbara tentava manter a distância. Dizia a si mesma que precisava protegê-las, que não podia se envolver com uma estagiária, que era contra os princípios dela, contra o regulamento da empresa, contra tudo. Mas cada vez que Eloise aparecia, com aquele sorriso suave, com a determinação nos olhos, com aquela essência única… tudo desmoronava.
Até que, numa tarde chuvosa, ficaram sozinhas na farmácia de manipulação. A energia caiu por alguns segundos, deixando-as no escuro, apenas com o som das gotas de chuva martelando o telhado metálico. Eloise, com os sentidos aguçados, sentiu a aproximação de Bárbara.
— Por que você veio para minha vida agora? — perguntou Bárbara, com a voz carregada de emoção. — Eu lutei tanto para chegar onde estou… Eu me escondi por tanto tempo…
Eloise tocou sua mão no escuro, encontrando-a com precisão.
— Eu também escondi muita coisa. Mas talvez… talvez seja hora de parar de fugir.
Bárbara puxou-a para um abraço que virou refúgio. Um abrigo contra a tempestade — dentro e fora do prédio. Beijaram-se novamente, dessa vez com a dor acumulada de dias de distância e o alívio de finalmente se renderem ao que sentiam.
A partir dali, viveram um amor tão intenso quanto secreto. Trocaram mensagens criptografadas, esbarrões calculados nos corredores, encontros rápidos fora do horário, onde podiam ser apenas duas mulheres apaixonadas.
Mas o destino, implacável, não deixaria barato…
Ótimo! Vou continuar com a terceira parte, onde o romance entre Eloise e Bárbara é descoberto, trazendo conflitos, escolhas difíceis e ainda mais emoção — sem perder a delicadeza do sentimento entre elas. Aqui vai:
Entre Jalecos e Desejos — Parte 3
As semanas seguintes foram um misto de euforia e tensão. Eloise acordava com mensagens doces e dormia com a lembrança dos beijos apressados nas escadas de emergência. Bárbara, sempre tão contida, mostrava agora um lado mais vulnerável — ria mais, confiava mais, se permitia sonhar.
Mas o que era doce demais, cedo ou tarde, chama atenção.
Foi num sábado de plantão, quando um frasco caiu das mãos trêmulas de Eloise após Bárbara encostar-lhe os dedos, quase imperceptivelmente, na cintura. O barulho do vidro quebrando atraiu Luana, a farmacêutica responsável do turno. Os olhos dela captaram mais do que o acidente. Captaram o olhar entre as duas. O silêncio cúmplice. A energia elétrica que pairava no ar.
Na segunda-feira, Bárbara foi chamada à sala da diretoria.
Eloise esperou, ansiosa, com os batimentos no pescoço. Quando Bárbara saiu, seus olhos estavam vermelhos.
— Descobriram.
A voz dela soou como uma sentença.
— Eu pedi para que não te prejudiquem. Assumi tudo. Disse que fui eu quem… — a voz falhou. — Quem ultrapassou os limites.
Eloise sentiu o mundo girar.
— Você vai ser demitida?
— Ainda não sei. Mas vão abrir um processo interno. E… talvez seja melhor a gente parar.
A frase caiu como gelo entre elas. Mas antes que Eloise pudesse reagir, Bárbara tocou seu rosto com as duas mãos e murmurou:
— Se eu me afastar… não é porque quero. É porque preciso.
E se foi.
Eloise passou os dias seguintes como um fantasma. O laboratório parecia vazio, mesmo cheio. Os aromas das fórmulas, antes tão vivos, perderam o sabor. A saudade era física — doía no corpo, pesava nos ombros.
Até que, na véspera do fim do estágio, encontrou uma caixinha no armário. Dentro, havia uma fórmula manuscrita em papel antigo, como as que usavam no início. Mas em vez de princípios ativos, os ingredientes eram outros:
“Coragem: 10 mg
Desejo: 50 mg
Saudade: 100 mg
Futuro: dose única, em mãos dadas.”
E embaixo, um recado:
“Se ainda me quiser… estarei esperando no lugar de sempre, às 19h.
B.
O coração de Eloise disparou.
–
Ela correu sob a chuva da noite, sem jaleco, sem máscara, sem medo.
E lá estava Bárbara. Na praça escondida atrás da farmácia. De braços abertos.
Elas se abraçaram como quem encontra abrigo no fim da guerra. E, naquele instante, o mundo inteiro podia desabar.
Porque, entre jalecos e desejos, o amor já havia vencido.



