O Guardião de Sertânia
Autoria: Martinha Marinho
Capítulo 1 – O Herói do Sertão
Sertânia, um pequeno recanto no coração do interior pernambucano, parecia viver sob um encanto. As noites eram banhadas pela luz amarelada dos postes e pelo brilho prateado das estrelas, enquanto o vento quente carregava o cheiro doce da terra molhada de orvalho.
Entre as ruas de pedra e casas simples, havia um nome que todos respeitavam: Zé Guardião. Alto, forte, dono de um olhar que mesclava firmeza e bondade, ele era o mais querido membro da lendária Turma do Apito — um grupo de vigias que, noite após noite, atravessava as ruas assobiando em seus apitos para mostrar que havia proteção por perto.
Zé não era apenas um trabalhador; era um símbolo. Nenhum ladrão ousava agir sob seu olhar atento. Antes mesmo que alguém pensasse em trazer maldade, ele já estava lá, firme, pronto para colocar qualquer encrenqueiro para correr. Mas sua força não vinha só dos músculos: vinha da honestidade, da coragem e do amor que tinha por sua gente.
Todos o adoravam. Era convidado para os almoços de domingo, escolhido como padrinho de crianças, consultado para conselhos. Até os que viviam fora da lei respeitavam aquele homem — temiam-no, sim, mas também reconheciam sua justiça. Sertânia dormia tranquila porque sabia que Zé Guardião vigiava cada esquina.
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Capítulo 2 – A Madrugada Silenciosa
Naquela sexta-feira abafada, Zé prendeu o apito no pescoço, ajeitou o chapéu de couro e saiu para mais uma ronda. O céu estava limpo, cravejado de estrelas, mas havia um silêncio diferente pairando sobre a cidade — tão espesso que parecia que até o vento segurava o fôlego.
Zé caminhou devagar, atento, os sapatos gastando o calçamento de pedra. Lembrava-se de quando entrou na Turma do Apito, jovem e cheio de sonhos, decidido a proteger a cidade que amava. Cada passo era um compromisso silencioso com o povo que confiava nele.
À medida que avançava, notou algo no ar — um arrepio leve, um pressentimento. Sertânia parecia esperar algo… ou temer.
Capítulo 3 – O Encontro no Beco
Um grito feminino cortou o silêncio, ecoando pela noite. Zé reagiu no mesmo instante, correndo em direção ao som. O apito estrondou, firme, anunciando que o Guardião estava a caminho.
No beco da Matriz, sob o tremeluzir de um poste, um homem tentava arrastar uma mulher para a escuridão.
— Solta ela agora! — ordenou Zé, a voz grave reverberando no ar.
O agressor virou-se, olhos faiscando raiva, e puxou uma faca. Zé avançou, empurrando a mulher para longe. A luta foi curta, mas brutal. Um golpe traiçoeiro acertou-lhe o peito, fazendo o sangue brotar. Ainda assim, ele reagiu com toda a força, derrubando o criminoso e garantindo que a moça fugisse ilesa.
Com as forças se esvaindo, Zé levou o apito aos lábios, mas o som não saiu. Ele olhou para o céu salpicado de estrelas e, antes de tombar, pensou no que mais amava: a paz de Sertânia.
Capítulo 4 – Luto e Sombras
O sol nasceu tímido, como se lamentasse a noite anterior. A notícia da morte de Zé espalhou-se rápido: “O Guardião se foi.” Portas abriram-se, lágrimas molharam rostos, e o comércio fechou em sinal de respeito.
O enterro foi um cortejo emocionante. Homens, mulheres, crianças, velhos — ninguém faltou. O caixão, coberto por um pano simples, parecia carregar o coração da cidade. Cada punhado de terra jogado sobre ele era um agradecimento silencioso.
Mas, quando o povo voltou para casa, o medo tomou conta. “Sem Zé, quem cuidará de nós?” sussurravam. Logo os rumores chegaram aos ouvidos errados. Ladrões das redondezas, ao saber que o Guardião havia partido, sorriram: era a chance perfeita de invadir Sertânia e espalhar o terror.
Naquela noite, caminhonetes avançaram pela estrada empoeirada. Homens armados desceram rindo, prontos para saquear e provar que a cidade estava indefesa.
Capítulo 5 – A Noite em que o Guardião Voltou
Assim que os bandidos chegaram à praça, abriram fogo para o alto. Gritos ecoaram pelas ruas estreitas. Mulheres corriam agarrando filhos, crianças choravam, cachorros latiam enlouquecidos. O sino da igreja bateu desesperado, espalhando seu som metálico pelo ar pesado. Portas batiam, moradores empurravam trancas, tentando proteger suas casas.
Os invasores riam, chutavam portas, quebravam vidraças, ameaçavam quem ousava espiar pelas frestas. Sertânia, que sempre fora um lugar sereno, vivia agora sua noite mais sombria.
Mas então o vento mudou. Um frio inexplicável varreu a praça, e uma névoa fina começou a se formar. No meio dela, surgiu uma silhueta conhecida: um homem alto, chapéu de couro inclinado, o apito brilhando sob a luz da lua.
O som que veio a seguir fez o coração de todos estremecer: piiiiiii! — o apito firme de Zé Guardião.
Os bandidos pararam, assustados. O espírito avançou decidido. Com um chute poderoso, lançou um dos criminosos longe, como se fosse brinquedo. Outro teve a arma arrancada por mãos invisíveis. Dois mais tentaram atirar, mas foram derrubados por forças que não conseguiam ver.
— Aqui, não! — a voz de Zé ecoou pelo vento, forte e serena.
O povo, espiando pelas janelas, sussurrou em coro:
— É ele… é o nosso Guardião!
Os bandidos entraram em pânico. Um tropeçou e caiu, outro largou o rifle e saiu correndo. Em poucos instantes, a praça que antes estava tomada pelo terror ficou silenciosa, exceto pelo eco do apito que dançava no ar.
Desde aquela noite, ninguém ousa trazer maldade para Sertânia. Dizem que qualquer um que chega com más intenções sente um arrepio gelado, como se mãos invisíveis o empurrassem de volta. Alguns juram ouvir o som de um apito e sentir as pernas tremerem antes de sair correndo.
Zé Guardião continua ali, firme, mesmo depois da morte. Seu espírito protege as ruas, as casas, o povo — lembrando a todos que coragem verdadeira nunca morre. E que Sertânia sempre terá um protetor.




